Pintura – Exposição temática de António Firmino
8 de Setembro a 8 de Outubro 2006
O tema escolhido para esta exposição, Vivências e Postais Musicais de Cabo Verde, assim como o tema da maior parte das nossas mais recentes exposições, está indelevelmente relacionado com alguns dos aspectos mais notórios da realidade cabo-verdiana, com particular destaque para os momentos de lazer, especialmente os nocturnos – e, porque nestes momentos prevalece a música, e tudo o que a ela está associado, como o convívio, a dança, a bebida e outros aspectos lúdicos da vida, são estes precisamente as situações contempladas; de notar que a música está presente em todos os momentos da vida do crioulo das ilhas, do nascimento à morte, com a “guarda-cabeça” e o funeral musicado, respectivamente. Outros aspectos telúricos surgem frequentemente na nossa pintura, como a pobreza, a seca, festas tradicionais, paisagens marinhas, reconstruções históricas – quase sempre com a música como pano de fundo.
Procuramos representar nas nossas telas temas essencialmente de índole cabo-verdiana em geral, e muito especialmente aspectos da vida nocturna (as noites de Mindelo, nossa ilha natal…), com ênfase na nossa “joie de vivre”, uma forma sui generis de encarar a vida, uma forma de esquecer os problemas do quotidiano (?)
E, numa tentativa de recriar ambientes e vivências de maneira relativamente fiel, com um certo realismo, recorremos a estratagemas e técnicas diversificados: a sugestão dos traços físicos e psicossomáticos das figuras e personagens recriadas nas telas, pessoas amigas e conhecidas, do nosso círculo familiar e afectivo, pessoas ligadas ao mundo da música (tentativa consciente ou inconsciente de lhes demonstrar o nosso carinho, a nossa estima? Talvez…) ; as paisagens que servem de pano de fundo às nossas composições pictóricas são sempre vistas panorâmicas, trechos desta ou daquela localidade, desta ou daquela ilha do nosso arquipélago, numa procura constante de contextualização cénica…Ao tentar pintar, diria sugerir, os retratos das pessoas que compõem o nossou universo pictórico, a nossa preocupação está mais centrada em dar uma sugestão dos seus traços e características idiossincráticas, a sua expressão naquele momento captado pelo pincel, mais do que querer fazer retratos fiéis, com um sabor a um “boldinismo kitsch”… o que eventualmente acontece, às vezes – não raramente, os caprichos do pincel vão mais longe do que a simples sugestão dos traços e dos maneirismos da figura sugerida na tela.
Mas o mais importante é o próprio tema tratado, a organização e disposição das figuras, instrumentos musicais e outros objectos, assim como o background paisagístico, que preenchem e dão vida ao nosso universo pictórico. Assim, notar-se-á, possivelmente, que certas figuras aparecem sugeridas em mais do que uma tela, algumas surgem repetidas vezes na mesma obra – actores fétiches do nosso imaginário pictórico? ; notar-se-á, ainda, uma procura constante, muitas vezes rigorosa, de simetria, de equilíbrio numérico de figuras humanas, de animais, de objectos, com a predominância de números ímpares (aspectos reveladores de uma certa cabala ou superstição ou fatalismo estético? ), razão porque em muitos quadros haverá três, sete figuras humanas, três animais, etc., etc., dispostos simetricamente.
Para além das telas de maiores dimensões tratando temas musicais, existem até à data cerca de duzentos quadros mais pequenos, sob o título genérico Postais Musicais de Cabo Verde, sugerindo traços da maior parte dos nossos intérpretes, instrumentistas e tocadores “conhecidos e desconhecidos”, do nosso passado e do nosso presente. Esta série, iniciada há cerca de quatro anos, pretende contar a “história musical” das gentes das ilhas .
Na qualidade de autodidacta curioso e consequente (falso autodidacta, em parte, dada a nossa formação superior nas Letras e Humanidades, História das Artes e das Ideias, e contactos directos e pessoais com grandes mestres e visitas frequentes a galerias de arte e museus europeus, para além da leitura compulsiva e consumição cinéfila ávida de tudo o que se relaciona com artes plásticas, livros, filmes sobre a matéria ), inventamos e reinventamos a cada pincelada a nossa própria técnica , o nosso próprio estilo, procurando deixar a nossa marca em cada tema tratado (et vive la différence!), independentemente do suporte (tela, papel-tela, madeira, etc.), independentemente dos médios ( acrílico, óleo, carvão…).
De maneira que expressões laudativas ou críticas ( do tipo “ não é assim que se pinta assim” ou “é preciso espaço para respirar…” ou ainda algo do género com ressonâncias pedantes e elitistas) serão sempre alheias à nossa maneira e opção estética para preencher uma tela em branco.
António N. Firmino
In MANIFESTO: Ideias eTópicos
(Texto originalmente escrito em Setembro de 2003 e actualizado em Setembro de 2006)
Exposição:
Sala de Exposições Drª Irene Aleixo
Alameda 25 de Abril, nº9-G
Miratejo
Tel.:21 255 19 44
Telm.:96 834 86 83
Fonte: Ana Firmino
José Alberto Mar diz
Boas “Imagens” de Cabo Verde. Parabéns.