“Se trabalhasse só aqui, não conseguia sobreviver”
Cantora lançou “Alive! in Lisboa”, o primeiro DVD da carreira
Catorze anos depois de ter vencido a primeira edição do concurso “Chuva de Estrelas”, Sara Tavares mantém a serenidade e simplicidade de sempre. Muito cansada, após três anos da intensa tournée em que andou a mostrar o disco “Balancê”, decidiu parar com os espectáculos em Agosto. Aos 30 anos, confessa que precisa de parar para se regenerar e compor o próximo trabalho, previsto para a Primavera de 2009. Hoje edita “Alive! in Lisbon”, o primeiro DVD da carreira, gravado no Cinema São Jorge, em Lisboa, a 27 de Março de 2007. Depois de já ter sentido vontade de sair de Portugal, confessa ao METRO que ama Lisboa e que se sente cada vez mais orgulhosa por ter nascido portuguesa.
Que memórias guarda desse concerto no São Jorge?
Foi muito bom, num dia com muita vibração positiva. Houve uma sintonia fantástica. Estávamos muito felizes por tocar em Lisboa.
O “Balancê” foi um marco importante. Sentiu-o como um ponto de viragem?
Foi mais um passo, uma etapa. Faz parte do crescimento humano, do caminho para a maturidade. Neste disco consegui ser um pouco mais clara e convicta, com um estilo personalizado. Aventurei-me mais fundo como compositora e, na produção do disco, tomei mais as rédeas, porque até ali tinha sido mais tímida e hesitante em explorar um estilo próprio.
Foi fácil essa libertação?
Não. Para mim nunca é, porque sou uma pessoa muito “intro” e custa-me sempre um bocadinho afirmar as minhas coisas com articulação. Mas tive muitos apoios, uma equipa à minha volta muito boa.
É com esses músicos que vai fazer o próximo trabalho?
Em parte sim, mas irei trabalhar com pessoas novas. Estivemos três anos sempre a viajar e houve pessoas que sentiram vontade de experimentar outra coisa que não fosse essa vida de saltimbanco.
Gostou dessa vida?
Em parte. Estes três anos foram um bocadinho exagerados em termos de trabalho e no futuro não quero fazer assim. Quero encontrar um equilíbrio mais saudável para mim e para a equipa. Agora estou a fazer uma grande paragem para conseguir descansar, para renovar e para ter vontade porque houve uma altura em que já não tinha vontade porque estava farta.
E o que se pode saber sobre o próximo trabalho?
Não há muito a dizer, estou na fase da composição e já tenho alguns temas feitos. Mas eu gosto de ter muitos temas para poder escolher.
Com quem gostaria de fazer um dueto?
Com o Stevie Wonder, porque sou muito fã dele. E quem diz Stevie Wonder diz Aretha Franklin. Admiro-os muito e aprendi muito a ouvi-los. Mas também não sei se não ficava tão aterrorizada que não conseguia dar uma nota (risos). Tenho trabalhado com pessoas muito bonitas e estou aberta a possibilidades, mais do que ter sonhos específicos. O meu grande sonho era cantar e isso está a concretizar-se dia a dia e eu agradeço e disponibilizo-me.
Acha que se fazem poucos duetos em Portugal?
Há poucas colaborações, as cumplicidades podiam ser mais alimentadas. Às vezes, cada um defende-se mas não se defende a arte colectiva deste país. O português culturalmente tende a ter uma baixa auto-estima. Importamos muita coisa, temos pouca fé no que somos e isso reflecte-se no colectivo artístico que se podia misturar mais.
É uma pessoa de fé?
Sim. Há coisas que só se podem fazer mesmo na fé, não há garantias.
Quando pensa em si como cantora, como define a sua evolução e a da própria voz?
Penso que cresci bastante e, acima de tudo, sou mais serena como cantora. Quando comecei a cantar gostava de fazer muita acrobacia com a voz, havia aquela ansiedade de mostrar o instrumento. Hoje em dia tornei-me mais numa intérprete, numa contadora de histórias. E também cresci como pessoa, estou mais mansa, mais serena e sinto que a minha voz também mudou de cor. Começaram a ouvir-me quando tinha 15 anos, quando ainda tinha voz de adolescente. Hoje, a minha voz é mais grave, mais adulta, não tão agudinha como era antigamente. Há coisas que fazia antes que já não consigo fazer, mas há outras que ganhei. E também tenho curiosidade de saber como é que vai estar o meu timbre daqui a 20 anos.
E é na world music que se vê daqui a 20 anos?
Quando não fazemos música “mainstream”, pop ou rock, tendem a chamar-nos qualquer coisa. E a world music foi um circuito que encontrei para trabalhar. As pessoas querem ouvir-me mais do que aqui. Em Portugal tenho mais dificuldade em encontrar espaço real para cantar. Gostam muito de mim mas o concerto que eu faço não se adequa às feiras e às festas ao ar livre, que é o circuito de espectáculos nacional. Como a minha música é muito subtil, não sobrevive nesse tipo de ambiente muito confuso. A fazer a música que faço, se trabalhasse só aqui, não conseguia sobreviver.
Já sentiu vontade de sair de Portugal?
Senti no início da carreira. Mas hoje, quanto mais viajo, mais abraço o desafio que é ter nascido portuguesa e cabo-verdiana. Adoro esta cidade [Lisboa], acho muito mais interessante trabalhar o português e o crioulo. É uma oportunidade de crescimento ter nascido aqui.
O que mais a inspira neste processo de criação?
O que se passa cá dentro, a vida interior. Compor é uma terapia, a minha prática espiritual é pegar na guitarra e escrever os meus pensamentos. Estou sempre a autocurar-me e a automotivar-me com a minha música.
Continua a ir à igreja?
Não, já não vou de forma assídua, só quando me apetece.
Tem saudades desses tempos?
Sim mas não gostaria de voltar atrás. Na altura tinha muitos amigos na igreja, por isso a igreja era tudo e não só a obrigação do culto. Eram os acampamentos, o convívio que tinha com os Shout, a minha banda na altura. A igreja era a minha família, o meu lar.
Mary Caiado
Entrevista ao jornal Metro – Edição Lisboa/Sul 3 de Novembro de 2008
Fotos de: Yann Aker e Joke Schot
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Anónimo diz
Ès muito especial para mim, a tua música é um antídoto para as minhas dores. Obrigada por existires…