Parque Temático
video Parque Temático (Theme Park) de Vasco Araújo
- Vídeo instalação: vídeo, mesa de madeira e acrilico, cartas, folha de sala.
- Duração: 8’44’’
- Formato: 16/9
- Vozes: Sofia Lobo; João Pedro Gama; Igor Lebreaud; Miguel Magalhães; Ana Pires Quintais; Delfim Sardo, Vasco Araújo.
- Texto: Vasco Araújo
- Música: “Quartetto per Archi Nº1”, de Krzysztof Penderecki; “Threnody for the Victims of Hiroshima for 52 Stringed Instruments”, de Krzysztof Penderecki
Parque Temático
Partindo da iconografia colonial existente no Portugal dos Pequenitos, protagonizada pelas esculturas que se encontram à entrada dos pavilhões das antigas colónias portuguesas, Parque Temático aborda os problemas da existência e da liberdade do homem.
Ao tratar, também, as lógicas por detrás das relações de poder vigentes durante o colonialismo e o pós-colonialismo, mostra-nos o perverso jogo de submissão construído a partir da história da escravatura e segregação congelada na estatuária que representa figuras de negros para sempre presos nessa condição.
Em Janeiro de 2016, o artista Vasco Araújo solicitou autorização à Fundação Bissaya Barreto (FBB) – instituição particular de solidariedade social de utilidade pública que gere o Portugal dos Pequenitos – para fotografar e/ou filmar as esculturas. Disponibilizou para tal, à FBB, todos os esclarecimentos e o guião do projecto. O pedido foi indeferido sem ser apresentada qualquer justificação.
Mais tarde, em Março de 2016, através do Laboratório de Curadoria da Universidade de Coimbra/Colégio das Artes, reiterou institucionalmente o pedido de autorização, enquadrando-o no trabalho académico em curso no âmbito desse mestrado. De novo o pedido foi declinado, sem qualquer justificação.
Autorização para filmar no Portugal dos Pequenitos
Confrontado com a falta de autorização para prosseguir com a captação de imagens, o artista decidiu continuar o trabalho, sem usar qualquer imagem ou filme das esculturas mas mantendo a imagem videográfica cega. O diálogo que compõe a peça Parque Temático foi interpretado por actores da Companhia Bonifrates e da Escola da Noite.
Em Junho de 2016, o artista realizou várias diligências e pressões institucionais e mediáticas e obteve como resposta que a Fundação se encontrava num processo de revisão de conteúdos do Portugal dos Pequenitos, e que pedia que o artista os voltasse a contactar no início de Janeiro de 2017.
Tal como sugerido pela própria Fundação, o artista voltou a enviar, na data sugerida, um pedido de autorização. No dia 17 de Janeiro de 2017, Vasco Araújo recebeu a resposta por carta a autorizar o uso das imagens solicitadas.
Agradecimentos
Colégio das Artes/ Mestrado em Estudos Curatoriais – Laboratório de Curadoria da Universidade de Coimbra; Fundação Bissaya Barreto; PIMC – Projeto Especial Imagem, Media e Comunicação; Escola da Noite; Bonifrates; CAPC – Círculo de Artes Plásticas de Coimbra; Delfim Sardo; António Olaio; Cristina Cunha; Carlos Antunes; Sofia Lobo; João Pedro Gama; Igor Lebreaud; Miguel Magalhães; Ana Pires Quintais; Filipe Silva; Maria Marques; Karen Bruder; Inês Ferreira; Bárbara Godinho; Ana J. Santos; Ana F. Santos; Lourdes Silva; Victória Strass; Bárbara Moura; Isabel Teixeira; Paula Lucas; Tomás Dias; Susana Pomba; Paula Sá Nogueira; Mariana Sá Nogueira; Joana Dilão; Pedro Faro; Isabel Carlos; Joana Brites; Ana Cristina Cachola; Joana Mayer; Maria Braga; Marta Soares. A todos.
A obra Parque Temático foi especificamente concebida para o Laboratório de Curadoria na sequência da obra O Jardim realizado no antigo Jardim Colonial de Lisboa ou atualmente denominado com Jardim Tropical.
Esta obra questiona os problemas da existência da liberdade do homem, a partir da iconografia colonial existente no Portugal dos Pequenitos protagonizada entre as esculturas que se encontram à entrada dos pavilhões das antigas colónias portuguesas.
Parque Temático é uma obra aborda questões coloniais, a partir da relação de poder e da condição humana do Outro, denunciando o jogo de submissão a partir da história da escravatura congelada na estatuária que representa figuras de negros para sempre presos nessa condição.
Na proposta original do artista haveria captação de imagens das estátuas que não foram autorizadas pela instituição que gere o Portugal dos Pequenitos, a peça mantém o diálogo escrito por Vasco Araújo, enquanto os ecrãs negros sinalizam a impossibilidade da captação de imagens proposta pelo artista.
A ferida colonial mantem-se portanto aberta pelas contingências que rodearam a realização desta obra.
Portugal dos Pequenitos
O Portugal dos Pequenitos foi inaugurado em Coimbra a 8 de Junho de 1940, no mesmo ano em que se realizou a Exposição do Mundo Português organizada pelo regime do Estado Novo. O parque propõe uma viagem por Portugal e suas ex-colónias através de pavilhões e construções arquitectónicas em escala reduzida. Após a revolução de 25 de Abril de 1974, o parque mantém-se, até hoje, intacto.
Parque temático (texto)
A- Mulher
B- Homem
C- Homem
D- Homem
E- Mulher
F- Grupo (Homens)
(Ruído de multidão em segundo plano)
A- Pse! Psee!!! Ei, uu!
B- Pse!
C- Sim!
D- Também estou aqui…
E- Que bom… pensava que estava aqui sozinha… mas alguém me explica porque raio estamos aqui? E em cima destas colunas?
D- Não sei…
B- Também não sei… mas não quero estar aqui… eu não pertenço aqui! Mas porque é que estou aqui?
E- O que é que estou aqui a fazer?
A- O que é que estamos aqui a fazer, pertencemos a outro lugar. Somos de outra experiência pessoal através de outro modelo antigo. Pertencemos a outro mundo, mundos diferentes… só não sei o que estamos a fazer aqui, nesta…
D- Quem sou eu na realidade, sim… quem sou eu neste local?
F- És a negação sistemática do outro, és uma decisão furiosa de privar o outro de qualquer atributo de humanidade.
E–Acho que não estou a entender bem…
F – Fomos transformados em mulheres-objecto, homens mercadoria e mulheres-moeda. Aprisionaram-nos no calabouço das aparências, passamos a pertencer a outros, deixamos assim de ter nome ou língua própria. Apesar da nossa vida e o nosso trabalho serem a partir de então a vida e o trabalho dos outros, com quem estamos condenados a viver, mas com quem é interdito ter relações co-humanas…
D- Isto não pode continuar, tenho de sair daqui. (Grita) Ei, ei, quero sair daqui, uu, alguém me ouve?
B- Mas alguém sabe onde estamos?
A- Não! Mas é muito diferente de onde viemos…
F- Tontos, isto é uma casa sobre o homem… sobre nós…
B- Ai sim?!…
A- Ahahahahah… Claro, já me lembro… estamos numa casa feita por homens sobre outros… enfim, os que construíram esta casa nunca deixaram de falar do homem… jamais deixaram de proclamar que só os preocupava o homem, agora sabemos com que sofrimentos pagou a humanidade cada uma das vitórias destes construtores, destes… homens.
C- Quem sou eu? Serei eu, em boa verdade, quem dizem que eu sou? Será verdade que não sou nada a não ser isto — a minha aparência, aquilo que se diz e se quer de mim? Qual é o meu verdadeiro estado civil e histórico?
F– Eles dizem ainda que somos como estátuas sem linguagem e sem consciência de nós mesmos – entidades humanas incapazes de se despirem de vez da figura animal com que estavam misturadas. No fundo, era da sua natureza albergar o que estava já morto à partida.
B- (Grita) Ei, ei, quero sair daqui, ahhhhhh!!! Alguém me ouve? Tirem-me daqui, estou a sufocar!!! Por favor, tirem-me deste sítio, desta condição.
E- O que é que estou aqui a fazer? Isto deve ser um engano… não acham?
C- Não! Foste “assimilada” por seres de outro mundo, és um objecto curioso e não tens escolha… Este mundo é magnânimo e dita o nosso destino. Para nos respeitarem minimamente temos de nos identificar com o seu mundo, assumindo a sua música, a sua religião, os seus costumes e a sua cultura.
F -Sim, vêem-nos como uma figura ou, mesmo, como um objecto inventado e fixado pelo seu olhar, pelos seus gestos e atitudes, tendo ainda sido tecidos enquanto tal através de mil pormenores, anedotas, relatos. Enquanto eles se fixaram e naturalizaram como conceito universal e único a respeitar…
E- Sou um ser humano e isso basta…
F- Não! És o que eles sentem: homem-metal, mulher-mercadoria e homem-moeda.
D- Ai! Quero morrer…
C- Desejava simplesmente ser um indivíduo entre outros indivíduos. Um ser livre de tudo e, portanto, capaz de se auto-inventar…E eis que me descubro objecto entre outros objectos…
B- O meu apelido: ofendido; o meu nome: humilhado; o meu estado civil: ignorado; a minha idade: a idade da pedra; a minha raça: a raça humana; a minha religião: a fraternidade…
A- A minha raça: a raça abatida. A minha religião… já não me lembro. Ai! Tu morrerás.
D- Não quero aqui ficar…
F- Cala-te! Não vês que não tens escolha?
C- É isso mesmo… para já, não temos escolha.
B- Vem ai alguém, xiu!
A- Xiu!
D- Ai…
Mais informações e texto em inglês no site do Vasco Araujo
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